
Resenha
Punk Britannia
2012
Direção: N/A
Por: Roberto Rillo Bíscaro
Colaborador Top Notch
30/06/2021
O antes, o durante e o depois da explosão punk, de 1977
O punk nasceu em Nova York, mas foi o cenário britânico que se tornou referência mundial pelos adereços como alfinetes e cabelos moicanos, além da cusparada febril e feroz de bandas como os Sex Pistols, The Clash, The Damned e tantas outras. Qualquer fã que se preze dos grupos britânicos dos anos 80 deveria conhecer um pouco da história da punk music, afinal, de Smiths a Bananarama, de U2 a Culture Club, todos foram influenciados pelo levante de 1977. Uma ótima pedida são as três partes de Punk Britannia (2012), encontráveis no You Tube, sem legendas. A parcela primeira cartografa os anos pré-punk, de 72 a 76. Inglaterra enfrentando década dura, repleta de greves e apagões, constatando finalmente que sua fase imperial era história. juventude desempregada, entediada, com sistema educacional arcaico. A geração roqueira de fins dos anos 60, que prometera revolucionar, frequentava festas do grand monde e se pavoneava em megaestádios e/ou produzia álbuns requintados, onde a diversão e simplicidade do rock and roll passavam longe. Nos pubs londrinos surgia uma reação. Bandas voltavam-se para o blues, bluegrasss e os primórdios do rock dos anos 50 e início dos 60. Essa cena barulhenta e visceral ganhou o nome de pub rock. Semeava-se a semente da rusticidade e rouquidão de uns 4 anos adiante. Uma geração ainda mais jovem adicionou a rebeldia gutural e travestida dos ianques New York Dolls, da provocação glam de Marc Bolan e mesmo do camaleão David Bowie - que para muitos não deixava de representar o estatuto do superastro distante de sua plateia – e começou a fazer sua própria moda e música, independentemente de perícia. A cultura do “Faça Você Mesmo” (Do It Yourself, D.I.Y) nascia e explodiria. Esses movimentos juvenis necessitam de um catalizador, o qual estava à mão, na figura de Malcolm McLaren, que com sua loja Sex, queria chocar, ser notado, causar. Esperto, o empresário percebeu de imediato o potencial avassalador dos desafinados e maus músicos dos Sex Pistols, especialmente a figura carismática e o olhar de ódio do vocalista John Lydon aka Johnny Rotten. A glória de ter lançado o primeiro compacto punk coube ao The Damned, mas quando os Pistols entraram nos estúdios da EMI (movimento rebelde, gravando álbum de estreia em grande corporação? Prato cheio para discussões e acusações que cortariam décadas...), em 1976, para gravar Never Mind The Bollocks, deflagrariam uma sublevação musical que varreria os 5 continentes. A segunda parte do documentário da BBC é a mais refinada analiticamente. Descreve os anos de 77-8, epicentro do “movimento” punk, compreendendo o lançamento do álbum dos Pistols e a dissolução da banda, cansada da manipulação classe-média de Malcolm McLaren. Aí estava uma das várias contradições da rebelião: The Clash, Sex Pistols, The Damned não tinham ligação estreita com a classe trabalhadora, e isso faz diferença danada na classista Inglaterra, vide a rivalidade Oasis/Blur, 2 décadas depois. O surgimento de bandas falando diretamente sobre e pra garotada dos impessoais conjuntos habitacionais foi ato contínuo, indo desde gente politicamente do bem como Paul Weller, líder do The Jam até a fascista ligação de boa parcela moicana com movimentos de extrema direita, racistas e homofóbicos. Não se pode falar de um movimento punk. Centrado numa atitude que apadrinhava e incentivava o individualismo, os punks espalhavam-se em grupos violentamente rivais. O documentário não fala, mas é bom lembrar que a tão apregoada “revolução” punk/pós-punk nem chegou a fazer cócegas de perigo à eleição da neoliberal Margareth Thatcher. Isso não significa que os Pistols e a invasão das roupas, penteados e adereços extravagantes nas ruas londrinas não tenham causado comoção. Quando Johnny Rotten disparou um “fuck” num programa de entrevistas, o incêndio punk espalhou-se pelo Reino Unido e a imprensa caiu de pau. Como qualquer publicidade parece ser boa, a atitude dos Pistols realmente motivou avalanche de novos artistas, agora livres da necessidade de serem exímios instrumentistas. A ideologia musical retrô do pré-punk e do seu estouro no biênio 77-8, porém, colocava outra contradição irreconciliável: como ser o futuro (mas, um dos hinos dos Pistols não repete a frase “no future” insistentemente?) da música, utilizando apenas 3 acordes e voltando-se para o rock dos anos 50? Quando Johnny Rotten se deu conta de tantas encruzilhadas, encheu o saco e disse adeus aos Sex Pistols no palco. O tórrido verão de 77 – interessante pensar que o estouro da acid house na década seguinte também se deu num verão escaldante – passou e com ele o frescor do punk. O The Clash assinou com gravadora gigante, o Jam começava a singrar por mares mod e gente como Siouxsie Sioux e Jim Kerr sofisticava sua sonoridade. Aí reside a importância do estilhaçamento punk. Essa eclosão de forças criativas criaria cenário cultural mais caleidoscópico, atitudinalmente individualista, onde nichos se formariam e subgêneros eram criados a cada hora. A terceira parte mapeia a abertura do gargalo punk para a entrada de influências milhares, como reggae, ska, electronica, pop e o escambau. Falando sobre o pós-punk, o programa narra o nascedouro da década de 1980. Egresso dos Pistols, Johnny Rotten voltou a ser John Lydon e formou o P.I.L (Public Image Limited), que lançou álbuns fundamentais, incorporou ritmos e tonalidades, deu diversos lugares-comuns sônicos aos anos 80 e nunca perdeu seu caráter de confronto. A lúgubre e decaída Manchester presenteou o planeta com um mártir pós-punk, o suicida Ian Curtis, da Joy Division, que também influenciaria gerações. O programa não esquece bandas como a lírica Durutti Column e o anárquico The Fall. Anarquismo, tendências marxistas e profunda desconfiança e falta de vontade de se tornar estrelas pop endinheiradas marcaram uma geração de bandas influentes como Gang of Four, Orange Juice e Wire. Quando topavam se apresentar no Top of the Pops, por exemplo, partiam do princípio de que necessitavam marcar espaço, propagar sua ideologia. Em meio ao modismo punk, bandas como o The Police e grandes artistas como Elvis Costelo foram vendidos como pós-punk ou sua versão mais palatável e universitária, a New Wave. Mas, eles eram outra coisa. Não os desprezo, como alguns artistas no documentário – pelo contrário -, mas justiça seja feita. O lance do Sting era fazer dinheiro e se tornar pop star. Imperdoável a omissão do The Cure; não entendo por que fazem isso com Robert Smith. O cara é um ególatra ditador, mas os primeiros discos da banda são muito importantes.
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Sobre Roberto Rillo Bíscaro

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Sobre o filme

Punk Britannia
Ano: 2012
Direção: N/A
Avaliação geral: 4,5 - 1 voto
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