
Resenha
David Bowie: Five Years
2013
Direção: Francis Whately
Por: Roberto Rillo Bíscaro
Colaborador Top Notch
03/03/2021
Cinco tons do Camaleão
O documentário Five Years, da BBC, usa o título da faixa de abertura do clássico The Rise and Fallof Ziggy Stardust and the Spiders from Mars (1972) para traçar panorama de cinco anos importantes na carreira do inventor dos anos 80. Com a característica qualidade e profundidade da emissora britânica, colaboradores como Rick Wakeman e Carlos Alomar e acadêmicos pop como Camille Paglia exaltam qualidades e falam sobre a gênese, significância e legado de Bowie. Lançando álbuns desde 1967 e com o sucesso de Space Oddity, sua carreira não deslanchava como gostaria. Bowie queria ser estrela e trabalhou duro e eficientemente para tanto. O primeiro ano de virada foi 1971-72, dos álbuns Hunky Dory e Ziggy Stardust. Em Nova York, ele conhece Andy Warhol. Estabelece-se relação de admiração/inveja criativa e quando Bowie retorna a Inglaterra usou muito do que viu no The Factory para lapidar a imagem de rock star que tencionava criar, desde a capa icônica de Hunky até a personagem Ziggy Stardust e sua ascensão e queda. E Bowie se torna uma estrela do rock ao cantar sobre uma; calculando cada gesto, assumindo a primeira de uma série de visuais e personalidades. O público alguma vez viu o “verdadeiro” David Bowie? Em cada ponto de virada, Five Years explica a criação de canções-chave, neste período os destaques vão para Changes e Life On Mars? Bowie foi o primeiro ícone do rock no mesmo nível de adoração das estrelas hollywoodianas da fase áurea. Astro que se dá ao luxo de matar sua personagem Ziggy Stardust ao vivo, no palco, no dia 3 de julho de 1973. Hora de se reinventar e o enfoque cai sobre o biênio 1974-5. De cabelo cor de laranja e quase albino por falta de sol. Bowie decide se tornar soulman. Encharcado de música da Philadelphia e do Harlem, de Aretha Franklin e auxiliado por futuros astros black como Luther Vandross, compõe Young Americans, soul music à Bowie, porque era esperto demais para saber que não bateria os originais norte-americanos se tentasse fazer o jogo deles. Inquieto e cocainado demais, Bowie já troca o disco em 75. Inspirado por krautrock e o eletrônico Kraftwerk, compõe as texturas escuras de Station to Station (1976). Cheio de problemas com empresários, esposa e, acima de tudo, perigando surtar ou morrer pelos abusos com drogas na maluca Los Angeles, decide retornar a Londres em 76 e aí está o ponto para a próxima virada 76/77. Influenciado pela ambiência eletrônica das paisagens aparentemente imutáveis e gélidas de Discreet Music (1975) do ex-Roxy Music e não-músico Brian Eno, Bowie recruta-o, assim como o King Crimson Robert Fripp e sua guitarra frippertrônica, muda-se para Berlim e despindo-se dos paramentos e estilo de vida de rock star compõe a eletrotrilogia iniciada por Low, que pavimentaria o caminho para o synth pop, só para dar um exemplo. Malhado por críticos, que depois seriam implacáveis com o synth pop, um dos melhores trechos é a inteligência do Camaleão fuzilando um desses escribas, que acusa o álbum de “alienado” “Alienado do quê?”, pergunta Bowie, enquanto a câmera dá zoom em seus olhos, um azul, outro verde. “De, de, de, de, bem, de minha realidade”, admite o repórter. Low é clássico e esse repórter é quem mesmo? Outra delícia é ver Robert Fripp na “terceira-idade”, de paletó e gravata, supertiozinho, falando em guitarras que dão ereções. Na virada de 1979/80, o Camaleão coabitava o universo pop com suas crias. A explosão punk e o estilhaçar pós-punk em n subgêneros tiveram muito de sua mão na concepção/execução. Utilizando o novo expediente do vídeoclipe, ressuscita Major Tom, personagem de Space Oddity, na faixa Ashes To Ashes, ressignifica eletronicamente o glam rock e põe guitarra distorcida de Fripp no funk estranho de Fashion e com isso fecha os 70’s – década em que foi o maior – com Scary Monsters, influenciando, mas já trabalhando junto com seus filhotes New Romantic. Vale lembrar que sabendo da fama do Blitz Club, o artista recrutou alguns de seus frequentadores para o vídeo de Ashes to Ashes, dentre eles, Steven Strange, do Visage. Entre 82/3, Bowie assina contrato milionário com a EMI, fisga o produtor da moda Nile Rodgers, do Chic, que produzira Diana Ross e Sister Sledge e lança Let´s Dance. Até então, respeitável e respeitado pela crítica e companheiros da indústria e com público cativo, faltava a Bowie conquistar o planeta e isso o faz com esse álbum. De teatros cobertos a estádios de futebol, a fase pop que produziu China Girl e Modern Love é encarada como mais um experimento. Liberto das drogas e tendo dominado os 70’s e gerado os 80’s, chegara a hora de colher os louros virando ídolo planetário, de cabelo platinado e paletós de diversas cores. Five Years poderia ter o último grande ponto de virada, em 1988, quando o artista se encheu de fazer coisas comerciais (o álbum de 87 é frustrante) e já tinha dinheiro até mais não precisar e por isso criou o alternativo Tin Machine, áspero demais para papai e mamãe Mcfelizes curtirem com mauricinho e patricinha pelo alto-falante do shopping. Como Bowie saíra do radar da grande mídia há anos, mesmo lançando sólidos trabalhos nos 90’s e 00’s, Five Years tem sabor de resumo da ópera para contextualizar a importância do lançamento de The Next Day (2013), que marcava o aparente enceramento de uma década propositalmente em silêncio. Como se isso não fosse muito bom, porque apresenta o filé de sua produção, ainda se refere a suas elogiadas atuações no cinema e na Broadway. Lotado de imagens raras ou até então inéditas, Five Years é essencial para neófitos começarem a entender a importância do artista e para fãs terem rápido material de consulta para sempre se lembrar do porquê David Bowie é tão fundamental para a cultura contemporânea.
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Sobre Roberto Rillo Bíscaro

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Sobre o filme

David Bowie: Five Years
Relacionado com: David Bowie
Ano: 2013
Direção: Francis Whately
Avaliação geral: 5 - 1 voto
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