Apostando em caminhos conhecidos!
Quando o assunto envolve a banda Marillion geralmente a discussão ganha proporções gigantescas. Não raro, até trabalhos considerados pela crítica como obras primas, a exemplo de Brave, são muitas vezes detonados pelos fãs. Estardalhaço este comumente baseado naquele velho hábito de exigir que a banda continue fiel às suas origens a qualquer custo. "Somewhere Else” foi lançado em 2007 pela Intact e teve como produtor Michael Hunter. É o décimo-quarto álbum de estúdio da banda, havendo sucedido o excelente “Marbles” (2004), daí o seu primeiro grande problema. Não que se queira cobrar a repetição de um protótipo Marbles, não é bem isso que está em questão, até porque seria contradizer um pouco o que foi afirmado no início deste parágrafo. O deslize cometido nesse disco foi, possivelmente, o fato de não ter escolhido o melhor caminho conhecido. Aqui o grupo insiste, infelizmente, no direcionamento musical visto em discos como "Radiation" e "Marillion.com". Como seria bom que eles trouxessem mais coisas de "Marbles" para esse registro!! “Somewhere Else" na verdade apresenta o “mais do mesmo”, aquela receita básica que vem permeando a maioria dos álbuns lançados pela banda, ou seja, um pop rock de apelo comercial e nitidamente distante do progressivo, das suítes elaboradas e temas conceituais. Nesse disco a banda parece jogar uma pá de cal sobre o prog rock de "Marbles", deixando claro que este representou o fechamento de um ciclo, preferindo apostar em canções mais curtas e usando a textura prog apenas incidentalmente e, diga-se, com muita parcimônia. Apesar disso, esse disco conseguiu atingir o Top 30 da venda de álbuns no Reino Unido (24ª posição), fato que não acontecia desde “This Strange Engine”, de 1997. Já no tocante à aceitação dos fãs ele teve avaliação abaixo de “Marbles”. Cabe à arrastada "The Other Half" abrir o álbum, a guitarra estelar e o vocal de Hoghart em namoro sério com uma veia pop passam a impressão de que temos uma bolacha do U2 na agulha. O destaque fica para o solo de Steve Rothery, precedido por um ótimo piano e uma linha de baixo charmosa de Trewavas, diga-se de passagem. Mas no frigir dos ovos está longe ser uma faixa excepcional. O single "See it Like a Baby" carrega um clima misterioso e batida compassada, confesso que remete um pouco a canções de "Brave". No entanto, assim como a primeira, parece beber sem pudor na fonte de Bono Vox e cia, mormente nas seções acústicas e nos vocais de Roghart quanto entoa o refrão. Rothery, como de costume, agrega muito com seu solo e trabalhos de guitarra. As coisas então se acalmam nos acordes suaves da balada "Thank You Whoever You Are", aquele refrão choroso e melodioso de sempre. Canção padrão Marillion de qualidade, ótima para ouvir à noite tomando um bom vinho e contemplando uma bela paisagem. Dessa vez o solo de Rothery não brilha sozinho, já que os teclados de Mark Kelly dão uma boa levantada. O disco então volta para uma rotação mais alta no rock up tempo de "Most Toys". Não, você não está ouvindo "Radiation" e nem "Marillion.com", embora a impressão seja esta. A faixa-título é uma irmã lacônica de "Ocean Cloud" de "Marbles", aqui eu fico em casa, adoro os caras quando fazem esse tipo de música, guitarra seguindo um corredor floydiano viajante e algumas passagens mais audaciosas, incluindo nesta última categoria o solo impactante de Rothery. Composição singela e que ajuda a matar a saudade do melhor Marillion. Ponto para a turma de Hoghart. O piano de "A Voice from the Past" inaugura aquele clima intimista que a banda sabe criar de maneira tão original, as propriedades sedativas dessa música são latentes, cabendo aos vocais melancólicos de Hogarth terminar o trabalho de enternecimento da alma. Mais uma bola dentro! "No Such Thing" dá prosseguimento à sessão ambiente, desta vez com os vocais de Hoghart sendo despejados em efeitos e não sendo sobrepostos ao instrumental. Rothery passeia numa galáxia distante e nos acorda eventualmente com notas mais vigorosas de sua guitarra. As janelas então parecem sentir o vento forte de "The Wound", rock mais dinâmico impulsionado sobretudo pela bateria mais incisiva de Mosley e a guitarra faiscante de Rothery. A fórmula aqui, porém, que não é novidade alguma para quem conhece a banda, que volta a fazer o uso eficiente de sons de background para tecer climas, apoiando-se também nos ofícios percussivos. Caminhando para o trecho final do disco ainda iremos encontrar "The Last Century of Man", mais uma balada tranquilizante e psicodélica-imersiva, com Hogarth empostando seu conhecido timbre aveludado e melódico e Rothery criando linhas melódicas e efeitos interessantes com sua guitarra. E o adeus fica por conta de "Faith", novamente uma balada acústica para engrossar a fila, na qual o músico convidado Sam Morris toca trompa francesa. Que "Somewhere Else” está longe de integrar a estante de obras primas da banda é fato que não depende de muito esforço auditivo. Entretanto, consegue ganhar pontos justamente por não tentar soar pretencioso e ao mesmo tempo apresentar um punhado de boas melodias, bastantes reflexivas e climáticas, ainda que deixando um pouco de lado o som progressivo. Costumo dizer que esse álbum não é muito indicado para quem não conhece a fundo a discografia da banda, mas, com certeza, vai deleitar um bocado o fã de Marillion que já se acostumou a sonhar acordado ouvindo as canções desse extraordinário grupo. Songs / Tracks Listing 1. The Other Half (4:24) 2. See It Like A Baby (4:29) 3. Thank You, Whoever You Are (4:42) 4. Most Toys (2:44) 5. Somewhere Else (7:46) 6. Voice From The Past (6:12) 7. No Such Thing (3:58) 8. The Wound (7:11) 9. The Last Century For Man (5:26) 10. Faith (4:09) Total Time: 52:00
Nota: As publicações de textos e vídeos no site do 80 Minutos representam exclusivamente a opinião do respectivo autor
Comentários
IMPORTANTE: Comentários agressivos serão removidos. Comente, opine, concorde e/ou discorde educadamente.
Lembre-se que o site do 80 Minutos é um espaço gratuito, aberto e democrático para que o autor possa dar a sua opinião. E você tem total liberdade para fazer o mesmo, desde que seja de maneira respeitosa.
Sobre Expedito Santana

Nível: Colaborador
Membro desde: 27/07/2020
"Sou um fã de música inveterado, principalmente de rock and roll, daqueles que podem ficar dias e dias imerso em discografias sem se preocupar com o mundo lá fora. Meu gosto é bastante eclético dentro do gênero rock, curto progressivo, hard, metal, alternativo etc."
Veja mais algumas de suas publicações:
Visitar a página completa de Expedito Santana
Sobre o álbum

Somewhere Else
Álbum disponível na discografia de: Marillion
Ano: 2007
Tipo: CD/LP
Avaliação geral: 3,75 - 4 votos
Avalie
Você conhece esse álbum? Que tal dar a sua nota?
Faça login para avaliar
Continue Navegando
Através do menu, busque por álbums, livros, séries/filmes, artistas, resenhas, artigos e entrevistas.
Veja as categorias, os nossos parceiros e acesse a área de ajuda para saber mais sobre como se tornar um colaborador voluntário do 80 Minutos.
Busque por conteúdo também na busca avançada.
Faça login para comentar